domingo, 29 de dezembro de 2013

Sala de Estar II

ontem
te fiz tão bonito
na minha sala de estar.

te trouxe almofadas,
liguei toca-discos,
pintei paredes de cores,
e até te dei flores

te servi sorrisos

pensei; não
perguntei
se querias algo mais.

no dia seguinte,
o céu cheio de nuvens,
você pedindo pra fechar as cortinas

eu disse - não,
deixe aberta,
o sol logo vai entrar

mas você cismou em fechar.

de cortinas fechadas,
e as paredes pintadas
já sem cores,
te deixasse, cabisbaixo, no sofá.

e eu não entendi
por que essa sala
de repente tão apertada.

com a janela fechada você não viu,
mas chovia ali fora da casa.

gotas pesadas de estar.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Ângulos Retos

Quatro cantos
No meu quarto
Quatro cantos
Brancos.

Sonhos, esperanças
Em cada canto
Um ângulo reto
Afeto.

A janela
Sem cortina
A porta na posição certa:
Entreaberta.

Nos livros
Letras não lidas
Nos cadernos de todo-dia
Poesia.

Na gaveta
Cartas antigas
Dentro delas: memórias, amantes
Instantes.

Em todo canto
O peso do corpo
O som da voz
A sós.

Em uma das paredes
Um espelho
De frente pra ele
Um olhar.

No reflexo
Paredes vermelhas
E a tua ausência
Sonolência.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Promessas e cebolas

O garoto observava atentamente os dois lados da rua, os olhos arregalados (como se, quanto mais eles estivessem abertos, maior seria a sua capacidade de enxergar), e os ouvidos atentos para todo e qualquer ruído que se aproximasse dele. Sentado na beira da calçada, ele esperava. Há quanto tempo ele permanecia ali: Três minutos? Dua horas? Um dia? Não sabia. Não havia aprendido ainda a contar as horas e o presente que seu avô lhe dera no seu último aniversário – um relógio com ponteiros coloridos e números grandes e gordos – não alcançara ainda a sua utilidade. Tudo o que sabia é que era preciso esperar. Afinal, fizeram-lhe ou não uma promessa? Desde pequeno (ainda mais pequeno que hoje) aprendera que não se deve fazer promessas se estas forem infundadas e que não se deve brincar com isso. Logo, por que não confiaria na promessa de seu pai? Ele prometera que ia voltar. Ele vai voltar. Mas como demora! O compromisso para o qual ele fora chamado tão abruptamente por aqueles dois homens sérios de terno escuro devia ser muito importante, afinal. Começava a esfriar... Não havia trazido um casaco, deveria ter se lembrado disso. Só se lembrara de trazer o Tom, para lhe fazer companhia, e os biscoitos que sobraram do café da manhã, para matar a fome. Tom era o seu boneco super-herói favorito, que participava sempre de suas aventuras. Era uma pena que ele estivesse sem um braço – perdera-o em uma batalha com o inimigo da casa ao lado – mas ainda assim era uma boa companhia. E não reclamava do frio. Nem da fome. Era bom, porque assim ele ficava com todos os biscoitos para si. Sua mãe já aparecera na janela, nervosa, umas três vezes, pedindo para que ele subisse, mas ele não seria persuadido assim tão fácil. Ela estava com olhos vermelhos e parecia que lágrimas escorriam pelo seu rosto. Mamãe deve estar cortando cebola de novo... Será que o está esperando para o jantar? Mas é preciso permanecer ali: é preciso esperar. É preciso ver o papai voltar. Ele vai voltar... Mais um tempo passa. Ouve um barulho brusco. Atrás de si estão três ou quatro vizinhos conhecidos seus. Eles o erguem do chão e o levam em direção à porta do velho condomínio - está na hora de entrar. Mas...

“Ele não irá voltar” fala um dos homens da vizinhança, sem olhar para o menino, enquanto este se debatia assustado, para se soltar. Estas palavras entram em sua mente, mas é difícil entende-las. Não as compreende, mas deixa que eles o levem para cima. No terceiro andar, é deixado em frente à porta já por ele familiar. Sua mãe está lá, a sua espera. Agarra-o para dentro e começa a chorar. O garoto, assustado, corre à cozinha. Não há cebola alguma em cima da mesa...

sábado, 14 de dezembro de 2013

Medianeras

medianeras nos dividem,
nos separam.

as janelas que existem estão trancadas,
as cortinas cerradas,
as almas cansadas,
enquanto o corpo corre depressa...

somos todos Wallys,
perdidos na cidade grande.

.
.
.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sala de Estar I

estive pensando

quem sabe estejas te tornando
tema de excerto, conto,
poema.

vens te aconchegando
no fim da noite, se jogando 
no sofá.

no rosto, o sorriso, e as pernas pro ar
tu te fazes presente
na minha sala de estar. 

domingo, 1 de dezembro de 2013

Poema escarlate em duas partes

I. Âncora

Ilusão. Quando pensei que havia finalmente partido para alguma direção, lá estava ele de novo: Atracado como sempre. Vermelho como sempre.


Porque meu estado de espírito é oscilante como o mar,
mas teu nome sempre insiste em ancorar.


II. Semiótica da Navegação

Pensei que teu nome tomaria rumo,
se esvaeceria.
Seguiria como embarcação que no horizonte se perde de vista.
E retornaria, talvez, um dia:
Tal qual tripulante esquecido,
Tal nome que perde o sentido.

E então talvez eu não permanecesse, inerte, a te esperar no cais.

(Primavera de 2012)

sábado, 30 de novembro de 2013

Silêncios


Depois que a porta bate, vem o silêncio perturbador. O silêncio perturba porque cede a vez para o barulho, se real, ensurdecedor, dos pensamentos latejantes daquela mente que ficou do lado de dentro. Ela havia gritado com a maior força que tinha para que o outro fosse embora. E assim ele o fez, pela porta da frente. Porta que se encontra agora destrancada, separando com fragilidade o mundo de dentro do mundo de fora. Ela não será trancada – não agora. Não será porque a mente que lateja sente medo de que, se trancar a porta, acabará definitivamente sozinha. Deixe aberta. Assim de repente o outro chega, após dar meia-volta e, com um simples giro na maçaneta, rompe aquele silêncio indesejado. Anda, que não aguento mais. Mas o silêncio persiste, ao mesmo tempo em que o barulho de coisa estourando e explodindo ecoa dentro da mente. Não era pra ser assim. O bom-senso havia fugido na última hora e lhe abandonado quando mais precisava. Pára de andar, senta, descansa, silencia. Mas a porta está ainda destrancada. Dizem que não é seguro lá fora, mas aqui dentro é menos ainda. Volta, não quero essa solidão, não. Um som curto e próximo se ouve. Um miado. O gato. Tu ouviste os meus gritos, gato? Ouça! Ouça o caos aqui dentro! A porta destrancou! Ele foi embora! Estás ouvindo? Mas o gato ouve mais além, ele vê através. A porta não lhe interessa, e o silêncio para ele é melodia. A mente grita, mas o gato não ouve. Ele se torna parte do silêncio. Não há, então, nada mais a fazer além de trancar a porta. E no cenário fechado, só há um gato, estático, e um corpo, o seu próprio corpo, jogado no chão. Silencia também, meu bem, silencia...

(2008)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Suspensão com prazo de validade

“Se tivesse trazido o caderno que me destes, Larissa, poderia estreiá-lo hoje. Coloco-me no quarto de um albergue, jogada na cama enquanto a noite de sábado de muitos acontece do outro lado da minha janela, pelas ruas boêmias tão próximas; mas na verdade escrevo por antecipação – antecipação não, este é o momento exato e mais apropriado para o registro dessas palavras marcadas um tanto às cegas, enquanto finjo assistir a um filme finlandês em um cinema alternativo, nos fundos de uma pequena galeria nesta cidade que não é a minha.
É a primeira vez que venho a um cinema sozinha. O filme, nesse momento, é o que menos me importa. É o estar, o ver, ouvir, sentir, que me interessam nesse dia tão à parte, tão distante da minha rotineira realidade. É nestes momentos, em que me encontro sozinha e liberta, em um lugar até então desconhecido, mas com o qual aos poucos me familiarizo, que reforço minha certeza de que viajar é, para a mente, a experiência mais saudável que existe: mostra que a vida é muito mais do que aquilo que se apresenta no nosso dia-a-dia; que é possível se desligar, mesmo que temporariamente, das velhas imposições sempre iniciadas com as palavras ‘tem que...’.
Essa gostosa suspensão daquilo a que nos sujeitamos na cidade em que vivemos, ao nos colocarmos no espaço completamente novo, é imprescindível para a sanidade. Por mais que este meu ato de escrever sem enxergar minhas linhas, numa sala escura de cinema quase vazia, possa parecer insano, visto a olho nu.
Pouco me importa agora. Só torço para que eu não esteja atropelando minhas próprias palavras neste irreverente jogo de memória, concentração e equilíbrio caligráfico que me propus.
Talvez passe a limpo este texto para o seu (meu) caderno de impressões de viagens, Larissa – isso se eu conseguir entendê-las sob a luz acesa, assim que o filme terminar...”.

Porto Alegre, 05 de junho de 2010.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Self-acts

me       escrevo          me       formo             me       busco              me       intento                me         sonho            me         vejo                 me       esqueço             me       faço                           me         forço              me        solto                 me          traio               me       perco                          me        fecho            me       expresso           me       insisto              me       sinto                  me     canso                 me       torno                  me       afogo              me       deixo                  me       espero                 me       lembro                  me       afino               me       vejo         me       ensino                me       crio                     me       iludo          me     confundo                      me       desgasto                me       encaro       me       espalho                    me       embaralho.                                                                

sábado, 9 de novembro de 2013

Rarefeito

Movimento de inspiração e expiração.

Inspira.
Expira.
Fluxo de ideias que correm de um corpo a outro.

O mundo bruto sendo inspirado para o pulmão - transformando-se em matéria nova.
A expiração de um torna-se inspiração para os outros,
em troca quase inconsciente.

O coletivo é isto: movimentos contínuos de in and out.

O coletivo respira -
e por vezes lhe falta o ar.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Rendeiras

Apesar dos braços cansados, insistiu para continuar seguindo. 
Com o sol a lhe ofuscar a vista, 
os sons do dia em festa a se distanciarem, 
e o equlíbrio a manter-lhe em pé, 
seu corpo seguiu lagoa a dentro.

Sentada na rua diante da porta,
a velha rendeira só teve tempo de erguer levemente o braço,
em posição de aceno,
antes de vê-la render-se, e perder-se 
no horizonte do fim da tarde.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Instante de livros

Para G.
 
Era dia. Calçou um dos chinelos no pé direito, calçou o outro no pé esquerdo, arrastou as cortinas, deixou que a cidade tomasse conta do seu apartamento, se arrastou ao banheiro, retornou, foi até a biblioteca – enquanto havia tempo. Não demoraria até que o alarme soasse, até que alguém o chamasse, até que os chinelos virassem um par de tênis rasgados, já tão acostumados com a rotina diária do metrô, ônibus, oitenta ouvintes, ônibus, setenta ouvintes, ônibus, metrô.... Mas antes que a cidade o engolisse, ali estava ela, ali estavam eles, diante dele: seus livros preciosos. Eram vários, alguns de capa dura, outros poucos resistentes, alguns de edição muito antiga, outros bastante recentes. Tinham todos algo em comum: eram livros preciosíssimos, traziam o que de melhor havia na literatura nacional e estrangeira, e de todos apenas as primeiras páginas haviam sido lidas. Faltava tempo para ler as restantes, e um homem precisava estar bem abastecido de tempo para gozar de leituras tão grandes. Era preciso dedicar-se somente a elas para lê-las da maneira correta. Então, no intervalo entre calçar os chinelos e substituí-los pelos tênis que suportavam seu dia, era na biblioteca que ele se refugiava –  em frente à estante onde, naquele instante, ele sentia um prazer estranho que misturava-se com felicidade. Sentia-se feliz por saber que o melhor ainda estava por vir. No metrô, lia coisas irrelevantes, reportagens de revistas, literatura de massa, aspirantes a bestsellers...  E seguiam-se os dias assim. O que lhe confortava era saber que algum dia – quando não houvesse metrô, ônibus, oitenta ou cento e tantos ouvintes – leria cada um destes livros preciosos, descobriria os seus prazeres, e seria uma pessoa inquestionavelmente, indubitavelmente feliz (e assim acreditou por muito tempo).

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

21:30, pensamentos

O borbulhar do oxigênio.
A respiração hesitante.
A troca de turno.
Colírio nos olhos: duas gostas no lado direito;
uma no lado esquerdo.
21:30.

O calor.
O frio.
Os olhos atentos.
A madrugada adentro.
A capela.
A ponte na janela.
O vento cortante,
Revigorante.

A vida.
A morte.
O dia que nasce.
A enfermidade.
O acalento - em vão.
Gibt es etwas besseres?

E então o almoço em família.
Mas falta.
Os risos pertubam.
Sobra galinha caipira na panela.

A amargura.
O sono.
O choro - tímido.

Outra vez a capela amarela,
A volta ao morro;
O pacote junto ao corpo
(Fraldas).

Balões.
Doces.
A barriga crescida.
Os muitos sorrisos com sincera alegria no salão.

As conversas.
O esquecimento.
A lembrança.
A música. 

A vida.
A vida!
O leito.
As fraldas:
Geriátricas, na ala Senhor dos Passos;
Infantis, no salão de festas alugado.

Na saída, o frio.
O café para esquentar a alma.
A vida dentro de mim.

Os ciclos.
As fraldas.
21:30.
Pensamentos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A madrugada me cutuca

A madrugada me cutuca,
me faz ver quem sou.
Me foge o sono,
já não sonho,
o silêncio me transborda.
E não há você em nenhuma parte dele.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Mantra de um agosto tempestivo

Que da máquina de escrever saia uma rosa.
Que do barulho da mata sobressaia minh'alma.
Que da corrente sensível venha a força que abrandará a tempestade -
Porque está a tempestade.

Que da expansão urbana saia melodia,
(E que um meio-dia nosso valha por um dia inteiro)
Que meu pensamento -
Que teu pensamento -
se fundam.

Que da repetição tire proveito a mente irriquieta.
Que do mundo disperso saiam novas fotografias.
E que da grafia aflorem novas conexões. Invenções. Intenções.

Que seja como o impulso que faz correr atrás do pedalar humilde, que sente o peso do cesto de pães.
Que o coração fale alto assim sempre.
Que o escutemos -
Pois está o coração.

Está aqui, ali, em todo corpo e lugar.

E que dos ponteiros livres do relógio sem dono floreça a sintonia de que precisamos.

sábado, 26 de outubro de 2013

Amanheci tristezas

Amanheci tristezas.

Lembranças do ontem-à-noite acordaram-me desejando mal dia. Foram sonhos? Ou fatos? Náo há nada que esteja em retratos.

Respiro o que foi ontem e o agora. Sinto cheiros difusos e desencontrados. Teu cheiro misturado no meu, mais o cheiro de outrem. De outros. De outras. Da noite e das coisas. Dos olhos. O cheiro dos olhos, de ambos.

A ausência das palavras certas. A essência. Quero que meu ar te cerque, impregne teus ouvidos e narinas e se abrigue em teus pulmões para que aí me entendas. Para que aí eu seja um pouco mais você.

Não mais ser em um só. Ser em cada corpo e alma que valha à pena. Oferecer-se. Multiplicar-se. Ser como o céu em noite limpa, abrir-se para a imersão no infinito.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Retrato de um pescador

Uma vara longa a tocar o mar, nas mãos daquele que já vira muita escama na vida, que já as tinha na própria pele. Era noite, e fazia tempo e frio.

Seu ato em holofotes: para alguns passantes ligeiros e atentos sobre a ponte, fixava-se como em retrato. A ponte tão ligeira, e ele, abaixo dela, inerte – deixado ao seu próprio vagar.

A bicicleta encostada no outro canto da passagem lhe indicava o demarcado retorno. Paciente, ela também esperava o momento do desengano, da vibração da corda, do subir incessante e frenético, da presa cujas lembranças terminariam ali.

Era com pesar que a bicicleta a levaria para a casa; mais pesar sentia ela do que o próprio homem que arremataria a presa. Sua pele-escama amortecera o tato, já não interpretava o ato como cruel assassinato.

Enquanto isso, as águas se remexiam e as luzes da cidade noturna cegavam os transeuntes.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Fade in and out.

Fade in. Fade out.
A imagem não se fixa.
De um lado 
minha mente
prolixa.
Do outro
as palavras rasas,
providas de significados
cansados,
equivocados.