“Se tivesse trazido o caderno que me destes,
Larissa, poderia estreiá-lo hoje. Coloco-me no quarto de um albergue, jogada na
cama enquanto a noite de sábado de muitos acontece do outro lado da minha
janela, pelas ruas boêmias tão próximas; mas na verdade escrevo por antecipação
– antecipação não, este é o momento exato e mais apropriado para o registro
dessas palavras marcadas um tanto às cegas, enquanto finjo assistir a um filme
finlandês em um cinema alternativo, nos fundos de uma pequena galeria
nesta cidade que não é a minha.
É a primeira vez que venho a um cinema sozinha. O
filme, nesse momento, é o que menos me importa. É o estar, o ver, ouvir,
sentir, que me interessam nesse dia tão à parte, tão distante da minha
rotineira realidade. É nestes momentos, em que me encontro sozinha e liberta,
em um lugar até então desconhecido, mas com o qual aos poucos me familiarizo,
que reforço minha certeza de que viajar é, para a mente, a experiência mais
saudável que existe: mostra que a vida é muito mais do que aquilo que se
apresenta no nosso dia-a-dia; que é possível se desligar, mesmo que
temporariamente, das velhas imposições sempre iniciadas com as palavras ‘tem
que...’.
Essa gostosa suspensão daquilo a que nos sujeitamos
na cidade em que vivemos, ao nos colocarmos no espaço completamente novo, é
imprescindível para a sanidade. Por mais que este meu ato de escrever sem
enxergar minhas linhas, numa sala escura de cinema quase vazia, possa parecer
insano, visto a olho nu.
Pouco me importa agora. Só torço para que eu não
esteja atropelando minhas próprias palavras neste irreverente jogo de memória,
concentração e equilíbrio caligráfico que me propus.
Talvez passe a limpo este texto para o seu (meu)
caderno de impressões de viagens, Larissa – isso se eu conseguir entendê-las
sob a luz acesa, assim que o filme terminar...”.
Porto Alegre, 05 de junho de 2010.
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