quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A madrugada me cutuca

A madrugada me cutuca,
me faz ver quem sou.
Me foge o sono,
já não sonho,
o silêncio me transborda.
E não há você em nenhuma parte dele.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Mantra de um agosto tempestivo

Que da máquina de escrever saia uma rosa.
Que do barulho da mata sobressaia minh'alma.
Que da corrente sensível venha a força que abrandará a tempestade -
Porque está a tempestade.

Que da expansão urbana saia melodia,
(E que um meio-dia nosso valha por um dia inteiro)
Que meu pensamento -
Que teu pensamento -
se fundam.

Que da repetição tire proveito a mente irriquieta.
Que do mundo disperso saiam novas fotografias.
E que da grafia aflorem novas conexões. Invenções. Intenções.

Que seja como o impulso que faz correr atrás do pedalar humilde, que sente o peso do cesto de pães.
Que o coração fale alto assim sempre.
Que o escutemos -
Pois está o coração.

Está aqui, ali, em todo corpo e lugar.

E que dos ponteiros livres do relógio sem dono floreça a sintonia de que precisamos.

sábado, 26 de outubro de 2013

Amanheci tristezas

Amanheci tristezas.

Lembranças do ontem-à-noite acordaram-me desejando mal dia. Foram sonhos? Ou fatos? Náo há nada que esteja em retratos.

Respiro o que foi ontem e o agora. Sinto cheiros difusos e desencontrados. Teu cheiro misturado no meu, mais o cheiro de outrem. De outros. De outras. Da noite e das coisas. Dos olhos. O cheiro dos olhos, de ambos.

A ausência das palavras certas. A essência. Quero que meu ar te cerque, impregne teus ouvidos e narinas e se abrigue em teus pulmões para que aí me entendas. Para que aí eu seja um pouco mais você.

Não mais ser em um só. Ser em cada corpo e alma que valha à pena. Oferecer-se. Multiplicar-se. Ser como o céu em noite limpa, abrir-se para a imersão no infinito.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Retrato de um pescador

Uma vara longa a tocar o mar, nas mãos daquele que já vira muita escama na vida, que já as tinha na própria pele. Era noite, e fazia tempo e frio.

Seu ato em holofotes: para alguns passantes ligeiros e atentos sobre a ponte, fixava-se como em retrato. A ponte tão ligeira, e ele, abaixo dela, inerte – deixado ao seu próprio vagar.

A bicicleta encostada no outro canto da passagem lhe indicava o demarcado retorno. Paciente, ela também esperava o momento do desengano, da vibração da corda, do subir incessante e frenético, da presa cujas lembranças terminariam ali.

Era com pesar que a bicicleta a levaria para a casa; mais pesar sentia ela do que o próprio homem que arremataria a presa. Sua pele-escama amortecera o tato, já não interpretava o ato como cruel assassinato.

Enquanto isso, as águas se remexiam e as luzes da cidade noturna cegavam os transeuntes.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Fade in and out.

Fade in. Fade out.
A imagem não se fixa.
De um lado 
minha mente
prolixa.
Do outro
as palavras rasas,
providas de significados
cansados,
equivocados.