sábado, 31 de outubro de 2015

Neighbors











They go
turning off their lights
waiting for the day to rise
behind their curtains
sometimes
I hear someone laugh
or cry
or play the harmonica
inside one's room
which isn't mine.
We share
the same stars
the same stairs
the same nights
but we never
share a word
(nor
a sight).

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Rodovia

Na malha rodoviária
da grande megalópole
seguíamos trocando
conjeturas:
pela janela
o contorno de água
era lago ou rio
sutil correnteza
naquela altura
em que eu nem sabia
que você também era Lago
(Freitas)
a transbordar em mim
nas próximas horas
e na outra noite
tinha sido açude
(lembra?)
hoje era o Rodoanel
em construção
eram muros, grades, cercas
endereços e apetrechos
a desordem das calçadas
moradias verticais
nos subúrbios que rodopiam
eram igrejas universais
com desvios locais
janelas cerradas
de quem trabalha
na tarde baixa
de 7 de setembro
trânsito lento
entre conurbações paulistas
(termo que você lembrava
das aulas de geografia)
e pra quê prever 
o futuro
com o Pai Joaquim
se o presente é aqui
nessa estrada? 
naquele ônibus
era a minha urbe
expandindo-se 
com a sua
aglomerado de
corpo, pele, mãos, casacos, 
dedos, olhos, risos
fora de seus perímetros
enquanto a noite lá fora
caía
chovia 
trovejava
sem placas indicativas
nossas urbes
em co-fusão
no movimento
exploro 
os teus relevos
andarilho 
devagar
a tua pele
as vias principais
da geografia humana
há vida pulsante
nos subúrbios
já não importa em que estado
as nossas cidades adormecem
na estrada contínua
até o retorno fixo
marco a quilometragem
da chegada
em Florianópolis
(quase amanhece)
teria continuado
naquela estrada 
até o Rio Grande
e no teu lago 
permane-seria
mas em meu solo
voltei a ser 
só ilha.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Carta para o meu pai

Sabe, pai, ter te visto assim guardião da casa, ferido, buscando o reforço das trancas, uma fechadura nova, te virando com as soluções emergenciais meio desencontradas, a aflição nos teus movimentos, me deu uma dorzinha no peito. Vim do centro trazendo bolo para consolo das mulheres, sei que você não se importa com bolo, e sim, perdeu até a fome, uma xícara de café preto pra manter a fé e só. Depois te convidei pra ir à missa, porque fazia três anos que tua mãe faleceu e uma de tuas sobrinhas estava indo levar o nome dela para o padre rezar. A vó gostava muito de rezar, sabes disso, no canto dela, domingo de manhã, assistindo TV no quarto que hoje é sala de corte, e minha mãe está lá enquanto te convido pra missa. Você escutou mas não deu uma resposta e continuou com a fechadura, a corrente, e os rastros da obra que incomodaram um pouco a minha irmã que ainda recebia clientes. Eu ia à pé, porque queria mesmo ir à missa e pensar um pouco na vó, que tinha partido há três anos e que fazia tanto parte daquela casa onde na última noite soou o alarme de segurança e lhes tirou o sono. Às dez para as sete você desceu para tomar um banho rápido e vestir calça e sapatos para me acompanhar porque apesar de tudo tem respeito à casa de Deus ou às convenções humanas que fariam olhos virarem atravessados se não se trocasse. Ir à missa era como se conectar um pouco com a vó, fazer o que ela gostaria de nós, porque nem eu nem você nos importávamos muito com as anedotas e os versos que vinham do altar. Tu exausto, tendo passado a noite em claro, cuidando da porta arrombada e depois do vento e da chuva, e com uma dor na coluna (que nessa semana não melhorou porque você não teve tempo de ir à nenhuma sessão de fisioterapia, porque apesar de estar aposentado há sempre algo por fazer ou minha mãe precisando de você, ou o pedreiro necessitando de ajuda na reforma, problemas com o táxi e então o arrombamento da última madrugada), chegamos atrasados por uma porta lateral e rimos juntos quando ouvimos que o padre falava naquele exato momento sobre um ladrão que arrombava a casa, e você olhava pra mim entre risos dizendo que tinha ido ali pra descansar um pouco a mente e é logo sobre isso que o padre vem lhe falar, e pensei que estes risos já serviam pra aliviar um pouco o peso daquele dia. Nos sentamos, ajoelhamos, levantamos, conforme pedia o padre, e eu não prestava muita atenção no que ele dizia, pensava naquele altar, no corredor da minha primeira comunhão, em toda a crença e desventuras dos homens e buscava estar um pouco com a minha vó, tua mãe, que povoava teus pensamentos também, enquanto o padre anunciava o nome dela para a reza, sobrenome Machado, mas o que importa – a alma não tem mais nome. Desejei que ela estivesse bem e que passasse boas energias para vocês na casa que já foi dela e onde minha mãe hoje cuida do jardim e nesta manhã tirou fotos das flores e enviou para a família, que a vó algum dia plantou. Quis que essa proteção viesse de um amor mais forte que tudo. E desejei também que o rapaz que veio nesta madrugada tirar o sono dos meus encontrasse alguma forma de Deus ou sei lá que sentido pra que ele não precisasse mais arrombar a porta dos outros pra seguir vivendo. Na saída da igreja, tu insistiu em me levar até em casa, do outro lado da ponte, mesmo moído naquele início de noite, que agora descia sobre ti mais leve. Eu podia muito bem ir de ônibus, mas você quis me levar e eu acho que de certa forma era para prolongar o sentimento de leveza, poder atravessar a ponte comigo e adiar o cansaço e os últimos afazeres que ainda teria de tomar conta antes de dormir ou tentar. Tu falou mais um pouco sobre aquele dia longo, enquanto a rádio FM acalentava a nossa rota, e me perguntou sobre como andava minha vida. Respondi que bem, comentei sobre estar me organizando pra seleção do mestrado, algo que em sinceridade pouco me importava mas pensei ser o mais adequado a dizer, e então contei que tinha feito uma aula de dança de salão na noite passada, para experimentar. Você ficou contente com isso, porque dançar era importante, um aprendizado pra se levar pra vida. Fiquei pensando no meu dia-a-dia, meio levado pela dança das coisas e pela esperança, e nos seus tomados pelo cansaço. Nos despedimos e eu desejei que você, a mãe e minha irmã tivessem uma noite tranquila. Enquanto subia as escadas, fiquei te imaginando no retorno à casa, feliz por tua filha estar aprendendo a dançar, pensando nos bailes da tua juventude, e então na tua mãe, no nosso amor que pessoa ou adversidade nenhuma jamais conseguirá arrombar. Boa noite, meu pai, minha família, fiquem bem.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Voo de pipa

no Monte Serrat
 
no topo do morro
há um senhor
levando sua pipa
pra passear.
ela dança nesse momento
a dois no céu de inverno
com outra colorida pipa
de algum bairro vizinho.
 
o senhor trabalha todo-dia
mas no sábado à tarde
vem trazer sua pipa pra alçar voo,
enganar-se com o vento,
que tão logo a desilude
da sua liberdade de papel:
o fio que volta às mãos
do senhor que volta à casa -
bamba fortaleza
no topo de um morro.
 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Versos em dígitos

09/03/2015 09:53

p.e.m.



JAZZ

A voz do saxofone
misturáva-se a
sua
ao meu lado
enquanto no flerte brincávamos
de entrelaçar copos,
ideias,
trejeitos,
de destruir conceitos 

do jazz 
que é liberdade
que flui
dentro de si.

Na era digital,
buscávamos um pulsar analógico
e fomos tentar um jazz
no quarto andar
da rua Anita Garibaldi.
Noite rua abaixo,
Céu acima,
You played that sound - bang bang,
on the ground we played
- bang bang.

Amanheceu
e éramos mais dois
em uma dessas janelas
de edifícios antigos da cidade
a tomar café amargo
e a ver a vida lá fora,
tomando a forma
que nos convinha.

~

11/03/2015 08:17

r.c.


RESPOSTA


A voz do saxofone
misturáva-se a sua
ao meu lado
Conversávamos sem nos importar
se não estávamos mais ali pela música
pois a química entre nossos corpos
era tão intensa
quanto o ápice do jazz bem executado
Sei que Charlie Parker me perdoaria

Assim eu percebi

Que já a conhecia
porém não sabia de sua existência
Que já a admirava

porém ainda não havíamos conversado

Amanheceu
éramos mais dois
em uma dessas janelas
de edifícios antigos da cidade
a tomar café amargo
e a ver a vida lá fora
tomando a forma
que nos convinha

E agora eu era aquele
que esperava pelo próximo encontro
para prosseguir a história desse conto
que aguardava por continuar

~

19/03/2015 23:36


r.c.


SENSO/CENSO

O censo indicava
Enquanto o senso guiava
Que pela contagem do último censo
Aqueles dois ali se entendiam - em ótimo senso
E concentiam que o censo e suas exatas eram importantes
Porém o senso da sensação os tornava humanos, leves
E se o meu censo estiver correto
Assim como penso que está
Te pretendo, cada vez mais perto
Pra no meu senso
Te ancorar


~

20/04/2015 21:42

p.e.m.


SENSORIAL

Todo censo tem falhas
e o senso que guia
pode desenganar.

De desenganos penso que aqueles dois entendiam,
mas não se entendiam
tão bem.

Serenata virou sereno
em cada janela, um só.
A porta que o senso abre
é a mesma que a trancas se ouve fechar...

Vai saber
o que sentiu então
a solidão
a flutuar
nesse imenso mar de idas e vindas
de intensos abraços
a se dispersar...

É, a vida tem dessas,
acende o teu cigarro agora,
enquanto eu tomo meu chá
e penso que as mãos foram para afagos,
que não haja pedras para recordar.


FIM.