terça-feira, 26 de setembro de 2017

São muitas as vozes

São muitas as vozes
Ouvidas diariamente:
Algumas passam de longe,
Outras te dão bom dia,
Algumas só percorrem a mente.
Tem a voz macia de quem você estima,
E a voz cortante
Da desarmonia
Que habita os lugares do dia-a-dia.
Tem o riso avulso que passa
Por você na rua, e ecoa um pouco em si,
Tem a voz muda,
Da pessoa em pé, segurando-se no ônibus
Às 6 e meia da tarde,
Mas você consegue escutá-la,
ela exala através dos braços cansados.
Tem a voz que pede por atenção
E encontra, em sua maioria, olhos desviados
E fones de ouvido, ocupados
Com outras vozes gravadas,
Que distraem, entorpecem,
Mas causam tropeços na calçada.
Tem a voz que trabalha ao seu lado,
Que você ouve na superfície,
Mas nunca escutou muito bem,
Porque as vozes seguem barreiras e protocolos
Do que é permitido ou ensinado falar
No cotidiano.
Quantas vozes queriam dialogar,
Cortadas na raiz,
Ou perdidas em palavras
Gastas, que desejariam significar outras coisas.
Há as vozes indesejadas
Na televisão
As fictícias e as jornalísticas (que não excluem umas as outras)
Propagando discursos
E multiplicando outras vozes
Que saem de bocas sem pensar
Mas atingem quem pensa, e sofre.
Quantas vozes atacam, quantas vozes se ferem,
Quantas outras resistem.
Vozes em diferentes línguas,
Em distintas melodias,
Buscando se entender.
A voz que te apressa,
A voz que te acalma,
E ainda as vozes íntimas,
Aquelas que sussurram ou já sussurraram,
Ao pé do ouvido, adentrando o corpo,
Adentrando a alma.
As vozes que você sente ter ouvido
Para além da superfície,
As que você quis ouvir e não conseguiu,
Ou as que desejou ouvir mais.
As vozes que ecoam
Entre presenças e ausências,
As vozes da memória,
A voz de si, da mente
Que não desliga,
As múltiplas vozes
Que te compõe
E cercam.
São fluidas, somem, se difundem, se propagam.
As vozes de nascença,
Que estão sempre lá.
As vozes poéticas
Que te colocam pra cima
(Essas você cultive bem!)
A voz de alguém que você imagina
Por entre letras escritas
E nunca teve a chance de escutar.
As vozes que você esquece
de perguntar “como vai?”.
As vozes que cantam
Que afinam e desafinam
Os dias
(des)equilibrados entre meias-estórias, reclamações,
Piadas, indagações, resmungos, suspiros,
Gritos, risos, choro,
Porque choro também é voz
Limpa e verdadeira
Sem palavras que contaminam.
Há vozes que imprimem opiniões
Às vezes infundadas,
Há vozes acadêmicas, vozes autoritárias,
E vozes que outros insistem ter menos valor.
Há vozes que carregam estigmas,
Outras que zombam
(Parem com isso!)
E as que querem falar sem escutar.
Há vozes nos microfones,
Nas poesias,
Em sonhos,
E fotografias.
Tem a(s) voz(es) que você usa,
As que inspiram
E respiram em você.
Há voz feita por gestos,
Vozes que contam suas perspectivas,
Compartilham vidas
Que não são só isso,
Não podem ser só isso.
Vozes que não são ouvidas,
Que não saem,
Há tanto o que falar,
E um outro tanto que mais valia o silêncio.
Vozes que se unem,
E gritam juntas um clamor que ecoa pela rua,
Ou que são abafadas pelas buzinas,
Que voz é essa
A das buzinas?
E que voz é a minha...
Que não sei usar direito.
A voz que quebra,
Cai
Se estatela,
Querendo fazer chegar a outros ouvidos.
E grito,
De alguma forma,
Em silêncio ou em papel,
Caminhando entre vozes que soam,
Que ecoam,
Que ecoam,
Que ecoam.


domingo, 2 de abril de 2017

Constelação

Pode ser
que já seja a morte
mas 'inda há brilho
que insiste, persiste, seduz
a incontáveis anos
- luz
daqui
o céu é o mesmo
de antes
de hoje
ao sul
ou talvez mais acima
ligam-se os pontos
de alguma constelação
humana
porque a imaginação é mais importante -
você sabe
e talvez ela também o saiba
talvez também veja
que toda partida
são pontos de luz
que brilham
e incidem
sobre nós.

domingo, 28 de agosto de 2016

O guarda-chuva


Fotografia: Guilherme Goes













Se caem alguns respingos,
todos já se armam
e se cruzam
sem se ver.
Vestem-no diariamente
e nem adianta dizer
que a corrente
intempestiva
não irá lhes desfazer.
Que integridade
ou medo
os impede de ver
que há gente,
sim,
há passos (curtos),
sonhos (largos),
vozes distoantes,
há vida, sim,
e paredes gastas
pintadas 
com cores de fuga
de pássaro que alça vôo,
enquanto a maioria, embaixo,
não tem asas
e buscam, alguns, a troca de olhar
esbarrada
em um guarda-chuva
na calçada urbana.
Seguem
as pessoas
de guarda-chuva invisível
mesmo nos dias de sol
que os prédios talvez
escondam.