quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Retrato de um pescador

Uma vara longa a tocar o mar, nas mãos daquele que já vira muita escama na vida, que já as tinha na própria pele. Era noite, e fazia tempo e frio.

Seu ato em holofotes: para alguns passantes ligeiros e atentos sobre a ponte, fixava-se como em retrato. A ponte tão ligeira, e ele, abaixo dela, inerte – deixado ao seu próprio vagar.

A bicicleta encostada no outro canto da passagem lhe indicava o demarcado retorno. Paciente, ela também esperava o momento do desengano, da vibração da corda, do subir incessante e frenético, da presa cujas lembranças terminariam ali.

Era com pesar que a bicicleta a levaria para a casa; mais pesar sentia ela do que o próprio homem que arremataria a presa. Sua pele-escama amortecera o tato, já não interpretava o ato como cruel assassinato.

Enquanto isso, as águas se remexiam e as luzes da cidade noturna cegavam os transeuntes.


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