sábado, 30 de novembro de 2013

Silêncios


Depois que a porta bate, vem o silêncio perturbador. O silêncio perturba porque cede a vez para o barulho, se real, ensurdecedor, dos pensamentos latejantes daquela mente que ficou do lado de dentro. Ela havia gritado com a maior força que tinha para que o outro fosse embora. E assim ele o fez, pela porta da frente. Porta que se encontra agora destrancada, separando com fragilidade o mundo de dentro do mundo de fora. Ela não será trancada – não agora. Não será porque a mente que lateja sente medo de que, se trancar a porta, acabará definitivamente sozinha. Deixe aberta. Assim de repente o outro chega, após dar meia-volta e, com um simples giro na maçaneta, rompe aquele silêncio indesejado. Anda, que não aguento mais. Mas o silêncio persiste, ao mesmo tempo em que o barulho de coisa estourando e explodindo ecoa dentro da mente. Não era pra ser assim. O bom-senso havia fugido na última hora e lhe abandonado quando mais precisava. Pára de andar, senta, descansa, silencia. Mas a porta está ainda destrancada. Dizem que não é seguro lá fora, mas aqui dentro é menos ainda. Volta, não quero essa solidão, não. Um som curto e próximo se ouve. Um miado. O gato. Tu ouviste os meus gritos, gato? Ouça! Ouça o caos aqui dentro! A porta destrancou! Ele foi embora! Estás ouvindo? Mas o gato ouve mais além, ele vê através. A porta não lhe interessa, e o silêncio para ele é melodia. A mente grita, mas o gato não ouve. Ele se torna parte do silêncio. Não há, então, nada mais a fazer além de trancar a porta. E no cenário fechado, só há um gato, estático, e um corpo, o seu próprio corpo, jogado no chão. Silencia também, meu bem, silencia...

(2008)

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