Cruzei
as ruas do centro da minha cidade à procura de papel e caneta, deixando o
suspense de Orson Welles no 1º andar para viver meus dramas aqui na varanda
desse casarão que é meu refúgio no meio das quadras de trânsito ininterrupto.
Piso nesse solo de ilha, atravesso ruas junto aos outros, meus conterrâneos ou
estranhos, nesse pequeno labirinto que penso conhecer bem e que já tanto
percorri. Sou cidade, coleção de memórias. Às vezes atravesso no sinal vermelho,
outras hesito no sinal verde e páro na esquina – lugar de encontro. E penso em
quantos encontros e desencontros já me proporcionei por essas ruas. Quantas
vezes saí à procura do que não encontrei e algumas que encontrei o que não
esperava. Nesse chão de mosaico onde piso compartilhei risos e alguns sonhos. Avisto
em frente a parede branca do Florianópolis Palace Hotel, grandiosa medianera onde caberia uma janela. Mas
seus moradores estão de passagem e não lhes vêm à cabeça fazer tal coisa.
Filmes projetados nessa parede já outras vezes serviram de janela pro
desconhecido. Mais cedo, nas várias partes desse centro da cidade, vi
vendedores fechando com a esteira suas tardes de (des)esperança ou recolhendo
suas trouxas estendidas na rua de pedestres. Vi vasos no parapeito das janelas
dos edifícios, ambulâncias urgenciando desvios, senhoras e jovens preparando as
aparências nos salões de beleza, andarilhos vivendo a sua maneira, igrejas
professando hipocrisias, transeuntes coletando dívidas, amigos trocando afetos
e alívios na mesa dos bares de rua – é cedo e faz tempo bom. Há miradas que me
seguem e outras não. Andei pelas ruas parte no presente, parte em outros
lugares temporais que vagam na minha mente por esse mesmo espaço. Quantos ecos
reverberam nesse mapa geográfico. Escolhi meu caminho, traçando rotas
conhecidas. Subi escadas em frente à igreja onde meus pais se casaram e agora insinuam
separar. Passei pelo hotel em que um amigo distante de correspondências um dia
se hospedou e eu o busquei de fusca para uma noite incrível. Nessa mesma
rua, o prédio onde guardo lembranças do 4º andar e depois do 3º andar, ainda tão
recentes, junto àqueles com quem minha alma não conseguiu conectar. Lembro de
imagens do edifício à frente, a mulher com insônia e TV ligada aos finais de
semana, as brigas e reconciliações de vizinhos, o aceno simpático de alguém que
não lembro o rosto. Aquele em que mais me aprofundei já viveu por ali também, e
fez loucuras nessa cidade em tempos que não participei. A cidade não pára e
enquanto isso as nossas vidas também não. Precisei voltar aqui e me encontrar
com esse papel, com a Stela Artois do
café da esquina, comigo de alguma forma. E não adianta esperar por qualquer
chamado, qualquer “busca do inesperado”, a alma precisa acalmar. Alguns
pássaros aqui ainda cantam celebrando o início da noite em fios de eletricidade
que nos conectam e teimam em me desorientar. Penso nos moradores desse centro,
centrados em suas casas, onde há banheiros e salas de estar, cada um com um
ponto de vista, formando um mosaico coletivo impossível de juntar. No reflexo
do prédio público na minha frente ainda vejo árvores, lembrando que sou vida e
resisto e que minhas folhas sempre se renovam. Não sei o quanto já finquei meus pés
nessa cidade e se algum dia sequer os retirarei. O centro de mim é disperso,
nesse vento frio encerro estes versos e volto a trafegar.