Vento sul
me acompanhou esta manhã.
Senti por entre as frestas do casaco,
e sob os pés desabrigados,
o ar fresco do outono recém-chegado.
O frio me deu ânimo.
Porém, de súbito,
me trouxe lembranças de outro outono.
Durante o dia,
Vento sul
Ventou consigo
o cheiro de outrora,
Deixou comigo o gosto
vivido,
do café, grama e abrigo,
mantido em outras estações,
mas que o verão mandou embora.
À tarde,
vento sul
trouxe esperança
à beira-mar.
Sei que aqui,
no sub-trópico,
as folhas secas sempre tardam,
mas logo hão de trazer novas cores,
quem sabe outros amores,
para que o cheiro do último ano
não doa tanto entre as estações.
quinta-feira, 24 de abril de 2014
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Relatório de Viagem
Cronópios
e famas me contavam histórias,
enquanto
eu sobrevoava nuvens desconhecidas
e
anseava desbravar o mundo,
meu mundo,
e o mundo dos outros.
Um
português que soava engraçado,
Um
inglês direto e apressado,
Um
labirinto de placas e corredores,
Um
restroom que procuro como bathroom,
e
me denuncio (tão ingênua e impolite!)
O
táxi que não consegue chegar -
“Sorry, I can’t help you,” bi-bi-bi-bi,
na
tarde mais escura que já vi.
E os
ponteiros apontavam 16:30.
Inglês...
Inglês... Português!... Inglês...
Desculpe,
foi tão sincero que nem percebi.
As
residências – gêmeas, trigêmeas, quinquagêmeas,
passando pela janela,
Enquanto a gente conversava.
The Quays.
Where are my keys?
14588312
mil portas num corredor sem fim.
A
minha é logo adiante.
SQ
4.4/H.
Meu
novo endereço,
com
prazo de validade.
Use
by... dois do sete de dois mil e onze.
Wivenhoe.
Mais casas gêmeas;
Mas tão diferentes
daquelas
do novo mundo.
O
rio, o frio, a Rosa e a Coroa.
1ª
Carlsberg; um brinde, um fish
and
chips. Smashed peas?
Tão
cedo me recolho.
O caminho em zig-zag (back and forth, back and
forth...)
me
leva ao repouso.
Distâncias...
Seria o céu o mesmo?
Felicidade.
Negative and questions. Lacan's Mirror Stage.
Wo liegt Wien? Bye-bye, Blackbird...
A
vida em flats. Tacos, Fajitas. O bar com cara de seriado americano.
Strongbowls.
Dois
passos pra frente, um passo pra trás. Latin America, Photography, Environment. The ghost-train porters, uma mistura de folk, Americana,
gypsy, rockabilly, with Latin and Eastern European spices. "Can I offer
you a drink?" Yes, why not? And you disappear.
Pós-colonialismo
aplicado.
Encontro
propício ao piano:
que
melodia, que cena tão distinta.
(essa
realidade agora é minha,
ainda
que temporária. Use by...)
A
beleza das raças... dos traços da África; da Ásia; da Índia...
Lhe
perguntei se não se sentia entre mundos, dividido,
sem
identidade (tal como o Dev e o Adit).
Ele disse que sim.
I've never talked to anyone about this before, he said.
Sorrisos,
notas e uma fotografia.
[E
quando for à Londres, não deixe de passar em Bricklane]
Train
Station. Possibilidades da abstração.
Do not leave your luggage unnatended. London
is calling!
Amizade,
surrealismo, poesia,
risadas
na Soccadilly Line, noodles na sarjeta,
e
uma foto derradeira na Trafalgar Square.
Back
in Colchester...
Meus
conhecimentos de cultura, história e geografia se multiplicam.
German, Australian, American, Romenian, Chinese,
Japanese, Hong Kongnese(!),
Spanish, Greek, Arabian, Nigerian, Indian,
Tchecoslovaquian, Eslovaquian,
Polnish, Moldavian...
Moldavian wine tasted funny.
E
ganhou um lugarzinho especial na geografia do meu mundo.
Do you speak Russian?
Yes, Russian, Romanian, English
and, now, ein bisschen Deutsch. Filmes no Lecture Theatre Building; nossa breve
rotina. And you would walk me home, and I would give you a kiss on the cheek,
as Brazilian girls do
(and this is all I should do).
Brazilian...
Brasilianer... Brésilienne... Brasileira... Brasil...
Identidade.
Singularidade.
Essa
é a minha cultura, aquela é a sua,
e
aquela outra é a dele,
e
nos encontramos aqui e nos damos tão bem.
Águas
de março, mombojó, mas que nada.
A
língua portuguesa nos ouvidos faz tão bem,
me
reafirma.
Como
se eu possuísse algo que você não tem.
Saudades
não apertam tanto,
a
vida real fica suspensa.
Tenho
uma nova vista na janela;
que
me acostuma, que me renova
(mas
que às vezes cai em contradição).
(Best before...)
Every little helps:
A
sacola de palha é o símbolo da minha independência.
Me
perco entre os corredores apilhados; me equilíbrio entre o necessário
e o supérfluo.
Sigo
o ritual...
That's five, fifteen, twenty-three pounds and fifty
two cents....
e
retorno com a sacola mais pesada.
Partida
de trem ao norte.
O
mar tão próximo.
Edinburgh
sob céu nublado, sombria,
tão
rica de histórias, little alleys e tabernas.
Let's go to the Highlands.
O
dia mais branco da minha vida.
Rotina...
Leituras. Social English Classes.
London outras vezes.
The girl with the red balloon: There is always hope.
"Sun is in the sky, oh why, oh why, would I wanna
be anywhere else?"
Deslocamentos.
Sair da ilha pela 1a. vez.
Em
abril, abriram-se as fronteiras.
Escuto
"Düsseldorf", esperando vocês cruzarem o Atlântico
e
chegarem na pequena estação onde eu os espero.
Nem
parece que não nos vemos há tanto tempo.
É
aqui que eu vivo, falei.
E
dois dias depois: malas correndo, euroline journeys, train trips, movimento, movimentos,
quartos para seis (bad experience), para três, para dois e mais um. Breakfasts, vários. Restaurants, cafés, pubs,
bratisseries...
The Menu, Het Menu, Das Menü,
Le Menu, s'il vous plait.
Segue
breve roteiro de viagem:
In
LONDON, always mind the gap.
AMSTERDAM:
andar sobre duas rodas é uma aventura.
In
DÜSSELDORF we met no
clowns.
PARIS:
Ah, la Seine, la lune, e o dito "l'amour!"
Fotografias
de Brassäi na Paris noturna
me
fazem lembrar de um alguém longínquo.
És
tu quem deveria estar aqui, a ver a lua cheia sobre o Louvre.
C'est
Magnifique.
Em
seguida, mais um trem e um adeus provisório a les fiancés.
Beaucoup
de bonheur!
STRASBOURG;
tudo o que precisava
(feijão,
guaraná, samba e meilleure amie).
Mais
uma vez a paz sobre duas rodas.
Que
bom poder mirar a sua vida.
MAINZ,
às margens do rio Reno.
Reencontros.
Hallo, meine Süsse.
We just came to say Hello.
And then, the airport. This is
the nice
and friendly saver of the young
and poor:
Ryanair, nice to meet you.
E,
por falar nisso, você já conhece a nossalinhaderaspadinhasdasortenossoscigarros
semnicotinaounossasrevistasdepatrocinadoresounossasimperdíveisgarrafasdeáguamineralounossaspoltronasespeciaisparaquembuscamaiorconforto nas saídas
de emergência ?
And then, back in Colchester again.
Um
mês, e mais um pouco.
Revision: Exams macht traurig.
"Nein, exams macht Leute mehr zustandig,"
er
sagt.
Últimas
paisagens, últimos lugares, últimos registros.
O
mar, finalmente.
[E
junto dele, o deck com o parque de diversões, tão frágil como se fosse de
mentirinha,
como
se fosse um set de um filme. Agora vivo dentro de filmes, já próximos dos
créditos finais]
E
o campo cheio de flores...
Yellow flowers and smiles.
A
nice afternoon.
Goodbyes.
Several ones.
One after the other...
Saudades
apertam mais.
De lá,
e de cá.
Busco
consolo nessa tela,
em
quem está a minha espera aonde parti.
Medo.
Insegurança.
Mas
novas visões de mundo me esperam em junho.
Eu
sigo. Last call....
Correr
até não mais poder.
E
desço outra vez na Alemanha.
Es gibt kein Problem, ich kann noch ein bisschen
Deutsch.
Viele,
viele Schlösser. Florestas; caminhadas.
100
águas em 100 cores; quero morar nelas quando eu crescer.
Uma
praça cheia de artistas
(que já não a habitam)
e
um doce, doce acolho.
Ich bin sicher ich werde euch vermissen.
Túneis
suíços e baguetes. Oi de novo.
Subir,
subir, les Rhöne-Alps.
No
alto: tão bonito.
Um
vinho e, em volta,
franceses
e brasileiros a hablar portunholçais.
Tudo
pela comunicação.
O
trem noturno, cabine 12 (ao menos sentei na janela),
personagens
intermitentes e curiosos cujas faces evoco
tão
vivas e distantes na minha mente.
De
novo, a realidade dos outros é como um filme pra mim.
Mudaram
as estações...
Parma,
Bologna, Nápoli... cidades italianas são engraçadas:
vêm
sempre com nome de pizza.
Senti
um carinho engraçado por aquele senhor na minha diagonal.
Primeiro
italiano que encontrei, e se comportava da maneira mais italiana que conheço,
à
maneira dos filmes de Segunda Guerra Mundial.
Trazia
uma agenda velha, gasta, e provavelmente preciosa:
não
parava de riscar anotações e compromissos em páginas
já
rasbicadas previamente outras dezenas de vezes.
Te
observei e observei aos outros,
tão
distintos, tão impacientes.
Se
foram todos e eu fiquei,
esperando
o amanhecer iminente.
Bari,
clandestina.
BII-BII-BII-BII
Índice
provável: 71 pessoas com sorte escapam de serem atropeladas por dia.
Tudo
pelos Trullis brancos. O sol passa ligeiro...
E
então...
Atrani,
buongiorno!
Aqui
sou amiga do Rei.
Aqui
tenho o sono que eu quero,
na cama que escolherei.
(though one
night the fuckin' Americans
from
the fuckin' next door
were
fuckin' screaming
and
wouldn't let us fuckin' sleep)
Pingos
de chuva, labirintos de escadas estreitas,
flores
escarlates, limões no pé, e ah,
o
mediterrâneo!
Viro
meus olhos para todos os lados e afirmo que estou no lugar mais bonito que já
vi.
Buongiorno,
Signor!
Buongiorno,
Signora!
Que
tranquilidade.
Ciao,
Atrani
Ciao
(tchau).
Estradas
de barro, paredes irregulares, pinturas desgastadas,
Templos,
bares, casas de banho, bordéis (as camas de pedra ainda ali;
e anterior a elas,
memórias de putas tristes
permanecem pintadas nas paredes)
Aos
fundos
o
vulcão que extinguiu toda a vida deste lugar;
Exceto
a dos curiosos que vêm andar por aqui sedentos de história, em busca de bases
concretas dos costumes que antecederam nosso viver contemporâneo.
Uma,
duas, três, quatro horas.
e quatro camadas de areia
nos meus sapatos.
Gellato
no final.
Suspensas,
12 horas bonitas em Roma.
So we meet again, Ryanair.
Where
to? Barcelona,
bonos dias,
Para
ali, logo depois do mar. chocolate, le picasso...
Gaudi
ilustra a cidade,
Mas
fica difícil entrevê-lo por entre os muitos australianos,
japoneses,
portugueses,
finlandeses,
brasileiros,
argelinos,
marroquinos.
No
metrô, las originales em muitos pés;
Na
praça, acampamentos e um abraço apertado cheio de tinta
(no
somos anti-sistema, el sistema es anti-nosotros);
E
na grande manifestação de rua:
Avez vous du feu? ,
diz uma voz atrás de mim.
Je
ne parle pas français, mais j’ai compris: No, I don’t.
E
aí, meu portunhol, o seu françenhol,
y
la sangria entre nosotros.
Porque
no vienes conmmigo?
“Porque
no quiero”.
Y
te vas - a fumar um cigarro.
No
fim do dia, o que me resta é um cartão de visitas de viagens a Marrocos.
Inútil.
Meu próximo destino é Porto.
Ah!
O Português... Que língua carinhosa,
cheia
de bocadinhos, cafézinhos e pasteizinhos.
Me
sinto como que em casa de um estranho
que
em pouco tempo se torna um velho conhecido.
Ficam
os azulejos, os sítios históricos e a maravilhosa festa de São João
(que
mesmo sem fogueiras, acendeu meu coração).
Rancores
só guardo frente à exuberante igreja de São Francisco.
Te
banhas com ouro e sangue, daqueles que te financiaram além-mar.
No
pictures, please.
Os
fogos de artifício concluem minha jornada.
Em
Colchester, não acontece muito mais.
Berlin
e Praga ficam pra trás.
Me
despeço da Inglaterra com um bom tea with milk,
Junto
de uma lovely English lady,
Dentro
de um retrato do pintor John Constable.
Quanta
paz.
SQ4.4/H... It is empty now.
You have seen so much of me, little room.
I say goodbye and shut the door.
4
da manhã – Heathrow –
à
espera do check-in,
rodeada
de brasileiros.
Minha
singularidade termina aí.
Minha
língua, meu segredo,
já
é instrumento de muitos,
e
em poucas horas, será de todos.
Anseio
revê-los,
todos.
E
num longo trajeto,
de
escalas a escalas,
guichês
a guichês,
salas
de espera a salas de espera,
eu
caminho trazendo a minha mala;
pesada,
não só de casacos, livros e souvenirs,
mas
de tudo aquilo que construí em mim.
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